Nasceu e cresceu na ilha do fogo. As origens humildes influenciaram a sua maneira de ser e de estar perante a vida. Quem o conhece diz que é o mesmo quer nos palcos, por onde já passou, quer no dia-a-dia. O primeiro disco valeu-lhe duas vitórias nos CVMA 2013. É um homem de família e diz que “não está preocupado com as coisas que não pode ter”. Conheça Michel Montrond.

Há 32 anos, Michel Montrond nascia na ilha do vulcão. Cresceu com uma tia-avó e a ausência dos pais foi um facto que o marcou para sempre. Cresceu a ouvir cassetes com temas de músicos como Humbertona e Chico Serra. “Gostava muito de aprender piano”, mas com 16 anos contentou-se por aprender a tocar cavaquinho e depois violão. Nessa altura começou a ganhar gosto pela composição musical. Antes ainda de sequer gravar um trabalho viajou pelo mundo fora a divulgar a música tradicional.

"Tentei contar histórias e as minhas vivências nas músicas e assim surgiu o "Kamin di Bedju"", conta Michel sobre o primeiro CD que só chegou depois dos 30 anos, em 2012. Conta que dantes não estava ainda preparado, "nem psicologicamente, nem financeiramente", para gravar um trabalho, uma responsabilidade que tem de ser assumida em consciência do que é por vezes necessário abdicar em prol da carreira.

Não consegue optar entre a interpretação e a composição. Michel confessa que tanto gosta de compor como de cantar temas de compositores dos quais gosta muito. "Em Cabo Verde somos riquíssimos musicalmente". E por isso também o artista lamenta ainda não existir uma escola superior de música em Cabo Verde.

Uma mensagem de nostalgia

"Kamin di Bedju" foi assim um CD muito aguardado. "O Hernani (Almeida) foi a pessoa que soube dar um toque contemporâneo (ao trabalho)", diz o artista sobre o produtor musical do CD. O trabalho conta com 12 faixas mas muitos temas ficaram ainda na gaveta. "Entram num próximo trabalho".

"Tenho muitas saudades dos tempos de antigamente", conta Michel. Para o cantor as brincadeiras, os valores e a educação eram diferentes. "Não tínhamos a televisão que hoje em dia bombardeia as crianças com muitas asneiradas, nem os jogos violentos, nem jovens alcoólatras aos 16 anos …", desabafa. "Quero chamar a atenção para certos valores".

Pai de 3 filhas, Michel diz que zela pelos ensinamentos que aplica em casa na educação das meninas. "Vemos as notícias online, bem como os bonecos animados", por exemplo, ficando aos pais a responsabilidade na escolha dos conteúdos.

A música de 2012

No ano passado não ouve quem não cantasse o tema "Mi só ki fika li", um original de Michel Montrond, que faz parte do álbum. Quem também interpretou este tema foi o vencedor do concurso "Talentu Strela 2", Éder Monteiro. Em 2012 surgiu uma polémica relativamente ao tema em que Michel terá sido acusado de ter proibido Éder de cantar o tema. "Nunca proibimos o Éder de cantar a música", esclarece logo à partida o artista e diz que foi o próprio Éder que lhe tinha pedido para cantar a música ainda antes do lançamento do CD "Kamin di Bedju", pedido esse que Michel prontamente aceitou.

O cantor explica que no entanto tema "Mi só ki fika li" foi usado sem a sua autorização no âmbito das eleições autárquicas durante a campanha eleitoral no município de Santa Catarina do Fogo. "Até pedi no Facebook que as pessoas não usassem a música para fins políticos".

Michel explica que por conseguinte na altura das festividades do município não foi convidado a cantar no evento. "Como temos uma boa relação, falei com o Éder sobre este assunto". Contudo salienta que ninguém disse ao Éder que não cantasse a música em questão. "Acho que até devia ser feita uma entrevista com o Éder sobre isto".

Aproveitando esta questão, Michel explica que a música "é também um produto" e chama a atenção para os direitos de autor.

O dia após os CVMA

"Nada mudou em mim", afirma abertamente Michel contudo admite que "o reconhecimento das pessoas é maior". Diz que nunca pensou em vencer um prémio da música cabo-verdiana e que lamenta que os tios que o educaram já não estavam vivos para assistir ao momento. A 9 de Março deste ano, Michel Montrond recebeu dois prémios CVMA – o de Artista Revelação e de Música do Ano com o tema "Mi só ki fika li".

Fica contente com as pequenas conquistas. "O Gugas (Veiga) trouxe uma revista da TAP que tinha o meu disco como sugestão. Fiquei muito contente". Pensar em fazer um novo CD só para daqui a uns dois anos, segundo explica o artista do Fogo. Para já está focado em divulgar o "Kamin di Bedju", um trabalho que acredita que as pessoas ainda não conhecem muito bem. Uma ida aos EUA já está agendada para Maio e a Europa deverá ser a paragem seguinte.

Homem de família

Para as filhas quer deixar uma casa, um projecto no qual está empenhado a todo vapor. Conta que quem trata das lides da casa é a esposa Elizangela, que o acompanhou à gala dos CVMA. "N’krel xeu", sorri. Diz que é a mulher que organiza a sua vida e controla o orçamento da família.

Durante uma estadia nos EUA, teve tantas saudades da esposa que escreveu um tema dedicado à sua querida. A música não entrou neste CD, quem sabe fica para o próximo. "Acho que é a única música romântica que eu tenho".

Para o artista que já passou por dificuldades, viver da música em Cabo Verde não é fácil. "Depende se queres comer arroz com chicharros, podes conseguir. Agora se queres comer filé mignon, esquece (risos)". "Quero o filé mignon, mas tenho de ir devagar", diz Michel quando questionado sobre se prefere comer o primeiro ou o segundo prato. 

Para aumentar o orçamento familiar, Michel tem também uma horta e ainda um projeto para a criação de galinhas. Num mundo de aparências Michel diz que os valores andam trocados e que "as pessoas passam a vida a correr atrás do impossível". "Não estou preocupado com as coisas que não posso ter".